Guido Lang
A localidade de Boa Vista Fundos (Teutônia/RS), em 1965-1966, conheceu a introdução de uma nova rede elétrica. Os moradores sem energia e com interesse em integrar a nova linha auxiliaram na construção do melhoramento. Um mutirão, à base do trato verbal e serviço prestado por dias trabalhados, tomou possível o barateamento da rede comunitária, que veio revolucionar a vivência comunitária. Os colonos associados, mesmo assim, necessitaram desembolsar uma boa soma monetária, que possibilitou custear a melhoria. A instalação da luz elétrica, em diversas residências, veio a sepultar progressivamente velhos hábitos, além disso os moradores passaram a ter uma vida noturna mais intensa. A revolução, de imediato, veio abolir as tradicionais lamparinas de querosene que, há décadas, iluminavam as moradias. A fuligem, em decorrência dessa iluminação, era uma marca comum nas paredes das residências, reforçada a ação do fogão a lenha. Eventuais incêndios, em função de acidentes com os artefatos, acabaram diminuídos no meio rural, pois a iluminação elétrica diminuía estes riscos.
Os moradores das colônias, antes do advento da luz elétrica, tinham poucos hábitos noturnos. O lema era de aproveitar ao máximo as horas ensolaradas. O ciclo da vida parecia caminhar paralelo à sucessão dos dias e das noites, sendo que os espaços diurnos eram destinados à labuta e os noturnos, ao repouso. As famílias, de maneira geral, iam “dormir com as galinhas”, pois não se tinham pretensões de labutar à noite. Os horários, como 20 a 22 horas, eram os momentos de recolhimento, porque um bom e tranquilo sono era compreendido como altamente saudável. A labuta, com os primeiros raios solares, era retomada. Havia o lema de “quem cedo madruga, Deus ajuda”.
As pessoas, sobretudo os casais, aproveitavam o alvorecer e o cair do dia para os diálogos, que tratavam dos acontecimentos comunitários e do planejamento rural. Os filhos, a partir da cama, podiam inteirar-se das conversas que se sucediam ao redor da rodada matinal do chimarrão. Somente os rebentos maiores entravam na roda das conversas e do chimarrão, enquanto os menores, no caso de madrugar, recebiam um colo e podiam servir-se posteriormente. As famílias, dessa forma, encontravam um maior horário de diálogo, que era sublime para a boa convivência familiar. Os divórcios e separações no meio rural eram casos raríssimos que, na eventualidade, originavam um “estrondo comunitário”. Os casais, neste modelo de vida, detinham maior espaço de convivência e curtição, e parecia haver uma maior integração afetiva. O contato com a natureza e a vida livre parecia acirrar os desejos dos instintos, o que podia resultar numa profícua prole.
As dificuldades maiores decorriam unicamente do inverno, quando as noites eram excessivamente longas. Diversas pessoas “cansavam da cama”, quando a escuridão prolongava o repouso. O ambiente escuro e frio inibia o madrugar, por isso a solução era ter paciência com a situação. Os dias chuvosos eram também uma problemática, pois a criançada ousava correr na umidade. As mães, às vezes, ficavam atordoadas com as bagunças, quando agitavam-se tremendamente as moradias. A alternativa consistia em levar a filharada até os galpões, onde podiam brincar no espaço das ferramentas, no estábulo, no paiol... Os pais cuidavam dos reparos, que se relacionavam a ferramentas, instalação, roupas, assim como construção de caixa de abelhas, confecção de cabos e vassouras, cuidados com animais...
A introdução da luz elétrica trouxe progressivas mudanças de hábitos e valores de vida, quando a convivência familiar passou a estender-se noite a dentro. Os princípios do consumismo e do materialismo passaram a concentrar as atenções e, lentamente, diversos aparelhos elétricos acabaram sendo adquiridos. Uma vontade acirrada de comprar aparelhagem tecnológica tomou corpo, portanto passou-se também a ter dificuldades de caixa. Os dividendos gerados eram canalizados para o custeio mensal da taxa de iluminação, o que gerou uma dependência financeira. Os excedentes monetários, progressivamente, foram canalizados ao consumo familiar, deixando-se de empregar no sistema de melhoramentos da produção agrícola. Os moradores passaram a absorver princípios consumistas, e a “filosofia de pão-duro” passou a perder expressão. A agitação, a correria e o tempo ganharam importância, quando, nas novas gerações, assimilaram inúmeros modelos e valores citadinos. A energia possibilitou o acesso ao mundo e com ela suplantou-se parte da pacata vida rural.
* Fonte: Disponível no livro "OS COLONIZADORES DA COLÔNIA TEUTÔNIA: COLETÂNEA DE TEXTOS", de Guido Lang.
* Postagem: Júlio César Lang.
* PROIBIDA A REPRODUÇÃO INTEGRAL OU PARCIAL DO TEXTO SEM A MENÇÃO DA REFERIDA FONTE (LEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998).
* Sugestões de páginas de leitura:
Nenhum comentário:
Postar um comentário