quarta-feira, 31 de julho de 2019

Os passarinhos

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Guido Lang

Um criador tinha paixão pelo canto dos passarinhos, que, na sua virtude, depararam-se com um pretexto para prisão. Este, no cotidiano da moradia, ostentava um viveiro de aves, quando gaiolas viam-se penduradas nos cantos e recantos do espaço. Os canarinhos, coiviras, sabiás, papagaios, periquitos, pintassilgos mantinham suas histórias, que relacionavam-se a aquisição, caça, procriação, trato.. O criador gastava dinheiro e tempo no criatório, porém o prazer de ouvir o canto aliviava-lhe o peso dos encargos.
Um belo dia, nalgum descuido, deixou as gaiolas abertas, quando os pássaros safaram-se da prisão. Estes, voaram na direção de brejos e matos, quando muitos viram-se apanhados por predadores. Ele, com o sucedido, “ficou adoidado”, quando apanhou um e outro bichinho ingênuo e indefeso. Precisou de meses para refazer o criatório, que nunca mais parecia o mesmo, porém redobrara cuidados.
Um indivíduo, emprestador ou gastador do dinheiro, assemelha-se ao criador, que corre atrás dos passarinhos soltos. Estes, nunca mais em sua totalidade, retornam a origem. Precisa de meses ou anos para refazer o seu patrimônio, no que vive a lamentar e relembrar o equívoco.
Gaste o dinheiro com moderação e reflexão com vistas de não precisar correr atrás da tua soma monetária. Melhor um passarinho na mão do que um punhado sobrevoando o viveiro. Quem descuida na fartura, lamenta na escassez.

Crédito da imagem: http://g1.globo.com

segunda-feira, 15 de julho de 2019

Fragmentos da Sabedoria Colonial

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Guido Lang

Os colonos desenvolveram um amplo conhecimento e sabedoria, que liga-se aos diversos aspectos existenciais. A arte e o trabalho de edificar as residências coloniais não fugiu a regra, quando ganhou uma atenção e preocupação especial.
Estas foram preferencialmente instaladas nas encostas de algum cerro ou colina, no qual sucediam-se abundância de águas e radiação solar. Uma boa e fresca água corrente era uma necessidade básica ao consumo, no qual dependia também o sucesso das criações. A insolação era compreendida como excelente meio terapêutico, quando inibia a ação de bactérias patológicas. Os animais domésticos, com abundante exposição solar, pareciam ostentar um maior e melhor desenvolvimento e vigor, quando tem um ciclo vital muitíssimo ajustado a rotação terrestre. Os humanos integrados ao ritmo da natureza, pareciam auferir de idênticos benefícios.
Uma moradia, incrustada nalguma elevação, oferecia a vantagem de apresentar amplo porão, no qual podia-se armazenar sementes, guardar ferramentas, ostentar espaços frescos (nos dias de excessivo calor)... A ventilação, nalguma utilidade, senão maior, quando a qualidade do ar seria melhor assim como as geadas seriam menos rigorosas. Eventuais moléstias igualmente poderiam ser facilmente evacuadas com as águas das chuvas, quando também não haveria os terrenos encharcados. Os animais e humanos, no período de precipitações, poderiam circular com maior facilidade nos pátios. A visão panorâmica era outro ingrediente básico, quando poder-se-ia acompanhar e controlar a movimentação das cercanias. Um fácil e rápido acesso, a partir do caminho geral e das estradas de roça, igualmente mantinha-se noutra inquietação.
Os coloniais, dentro das condições da área, levavam em consideração o maior número de benefícios auferidos, quando constantemente, na vida, edificava-se uma exclusiva e única moradia. Um agradável e belo ambiente e cenário residencial, como na atualidade, era compreendido como bem estar social, felicidade existencial e sucesso profissional. A longevidade e tranquilidade de vida tinha seus enigmas e sabedorias, que, nas conversas informais, passavam através de gerações.

Guido Lang – Escritor, historiador e professor
Fonte: Revista Vitrini (Campo Bom/RS), número 34, setembro de 1997, página 13.

Crédito da imagem: http://g1.globo.com

Artimanhas e Brincadeiras Coloniais

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Guido Lang

Os roubos eram fatos raros nas comunidades rurais, quando, num tom de astúcia, permitia-se roubar unicamente galinhas e melancias. O proprietário das aves, com razão de mostrar a esperteza e ousadia, era comumente convidado à ceia, quando noutro dia, unicamente notava a ausência das suas adoradas e preciosas poedeiras. Este, num primeiro instante, nem quisera acreditar nos fatos, quando “pregaram-lhe uma tremenda peça”.
A invasão da roça alheia, com a finalidade de obter algumas melancias, era uma brincadeira rotineira no meio colonial. A existência de uma abastada e bonita lavoura de frutos cedo espalhava-se aos "quatro ventos'', quando alguma turminha improvisava uma visitinha.
A invenção de histórias, aos fofoqueiros, consistia noutra artimanha, quando alguém, com vista de aplicar um bom trote ao “comentarista comunitário”, criava alguma mentira. Esta era narrada ao ouvinte, que, na primeira oportunidade, tratava de passar adiante a versão. Os fatos contados costumeiramente eram assuntos combinados com os atingidos, quando os comentários não passavam de uma “baita invenção”.
O baralho era um passatempo rotineiro nas colônias, quando, em meio ao jogo, alguém prestava-se a “fazer mutretas”. Este não sabia perder, quando tratava-se de valer-se de artifícios. Estes, como, dar-se maior número de cartas ou esconder outras, eram descobertos, quando o elemento desonesto era colocado em “banho-maria”. Ele era paulatinamente excluído das rodadas.
A existência de tesouros, nos remotos interiores, fascinou a imaginação de aventureiros e caçadores de riquezas. As conversas comunitárias costumeiramente criavam histórias e lendas, quando surgiam recantos misteriosos. Estes, nos cemitérios, grutas, igrejas, matas e moradias, eram procurados, quando forasteiros, nas caladas da noite e no transcorrer de domingos, davam-se tempo de vasculhar lugares e trabalho de cavoucar buracos. A inutilidade da procura era causa de gargalhadas e os esporádicos sinais de riqueza motivo de peripécias.

Guido Lang – Escritor, historiador e professor
Fonte: Revista Vitrini (Campo Bom/RS), número 35, outubro de 1997, página 16.

Crédito da imagem: https://www.tripadvisor.com.br/LocationPhotoDirectLink-g2572696-d9838838-i218692697-Nucleo_de_Casas_Enxaimel-Ivoti_State_of_Rio_Grande_do_Sul.html


segunda-feira, 8 de julho de 2019

A confecção das calças

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Guido Lang

A costura de roupas, até os anos de 1970, era muito expressiva no meio colonial, pois era comum a confecção de tecidos. As vendas, costumeiramente, comercializavam os tecidos, que eram comprados pelos rurais e levados, na primeira oportunidade, até os profissionais de costura. Essas atuavam nas residências e uma boa moça de família tinha a obrigação de assimilar o conhecimento de costurar e remendar.
Um cidadão “pão-duro”, característica comum entre os teuto-brasileiros, resolveu aproveitar uma oferta de tecido, que era muito propícia à confecção de calças. Ele adquiriu a quantidade para a confecção de quatro peças, que foram costuradas por uma profissional de circunvizinhanças. As calças, de imediato, passaram a ser usadas nos diversos eventos comunitários, assim como nos afazeres domésticos.
Algumas moradoras, aos poucos, começaram a comentar o fato do colono usar sempre a mesmíssima calça. Pois ele comparecia, a todo lugar com a mesma vestimenta, por isso começou a cair nos comentários e gargalhadas comunitárias. Algumas quiseram saber do procedimento de lavagem da peça, que parecia jamais ser tirada do corpo. Ela certamente seria lavada à noite e, em seguida, secada no fogão; noutro dia retomava sua finalidade original.
Uma senhora, “boca grande” e mexerica nos afazeres alheios, resolveu interrogar o morador, com o intento de inteirar-se do mistério da calça. O senhor daí contou a história da confecção das calças idênticas. A curiosidade popular, desta forma, acabou desfeita e o tormento das fofoqueiras viu-se sanado.
O indivíduo não deve optar pelas mesmas cores com a finalidade de mudar o visual. A riqueza das coisas reside na diversidade e não na unanimidade dos artigos e opiniões.

(Texto extraído de “Contos do Cotidiano Colonial”, página 34, de Guido Lang).

segunda-feira, 1 de julho de 2019

O dinheiro desvalorizado

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Guido Lang

Uma localidade interiorana foi cenário de um fato financeiro marcante, que retrata facetas do espírito econômico e poupador da descendência teuto-brasileira.
Dois solteirões, moradores do interior de uma pacata comunidade rural, viveram uma experiência essencialmente modesta. Eles, durante anos de labuta, foram acumulando divisas monetárias, pois mantinham a filosofia germânica do poupar nas farturas, com intuito de ter recursos nos infortúnios. Os rapazes conseguiram sobreviver essencialmente com o mínimo, em que, um certo conforto e bem-estar era compreendido como luxo. Os frutos do trabalho, continuamente, sobravam.
Um certo dia, um dos moços veio a perecer, quando o sobrevivente, com vista a não cair no desleixo e solidão, foi acolhido por um parente próximo. A solidariedade cristã e familiar era cultivada comumente, no meio colonial. A mudança, depois de décadas de vida, naquela casa e terra (herdada dos ancestrais), tornou-se necessária. Alguns moradores, amigos e vizinhos auxiliaram na tarefa da escassa mudança de bens, que restringiam-se a meia dúzia de pertences. Os ajudantes, depois de alguns minutos de labuta, depararam-se com dois enormes sacos, que pareciam tomados de papéis. O solteirão recomendou cuidado especial e por isso, atiçou a curiosidade do pessoal.
Os curiosos, de imediato, resolveram conferir o conteúdo dos invólucros, e ficaram admiradíssimos com as imagens. Os papéis consistiam de notas de dinheiro que, durante duas vidas inteiras, foram guardados naqueles espaços. As notas, sobretudo em cruzeiros, encontravam-se com seu valor vencido. As estimativas dão conta que, pelos valores da época, daria para comprar uma boa extensão de terra ou na atualidade, adquirir diversos veículos. Os ajudantes lamentaram profundamente o “leite derramado”.
Os poupadores, centavo por centavo, foram juntando os ganhos na sua rígida mentalidade econômica. As pessoas abstinham-se de investir na lavoura, privavam-se de melhorias alimentares, renunciavam ao conforto... Um sacrifício em vão em função do desconhecimento da escalada inflacionária brasileira. O exemplo mostra o espírito poupador germânico, gosto acentuado pelo dinheiro, temores com o porvir... Eles sobreviviam com o mínimo, com vistas a economizar o máximo.
A vida, em momentos, prega-nos peças esdrúxulas e interessantes.
           
(Texto extraído de “Contos do Cotidiano Colonial”, página 15, de Guido Lang).

Crédito da imagem: http://descubracastelo.com.br/cedulas-do-brasil/