Guido Lang
A memória comunitária mantém viva os acontecimentos ligados ao ataque de gafanhotos que, em forma de nuvens, atacaram o Sul do Brasil. A voracidade do inseto de imediato salientava-se e os vegetais acabavam devorados num ritmo assustador. O avanço do ortóptero constituía-se numa realidade comum até a década de 40 do século XX e, aos olhos da atualidade, descrevia uma cena inimaginável. Teutônia não se viu privada de insetos saltadores que, como consequência, descreviam um quadro de devastação e fome. Animais e homens, após a partida, deparavam-se com a "terra arrasada".
A colônia de Teutônia, nos anos de 1906 e 1948, viveu uma tragédia incomum que ligou-se ao ataque do gafanhoto-de-praga (Schistocerca paranaensis). A agricultura e pastoreio viu-se devastada, quando os potreiros acabavam digeridos pela praga. O avanço dos insetos descrevia uma cena ímpar, quando o céu escurecia e o sol desaparecia em função da quantidade de invasores. O zunido, em meio à invasão, parecia ensurdecedor, quando afluíam nuvens da praga. Os seres vivos maiores, nestes instantes, procuravam refugiar-se nos seus esconderijos porque temiam as pernas ásperas (responsáveis por sensações repugnantes na pele). Os caminhantes descuidosos, apanhados de surpresa numa nuvem de gafanhotos, necessitaram deslocar-se de ré com vistas de não serem atingidos e feridos na sua visão.
O gafanhoto constituía-se, nas suas características, num inseto de antenas curtas, mantinha órgãos auditivos situados lateralmente na base do abdômen, possuía tarsos triarticulados, revelava-se ovapositor curto... O tamanho, no período adulto, podia medir até 6,5 centímetros de comprimento. A coloração apresentava-se num castanho-avermelhado. O par de pernas posterior apresentava-se muito forte, longo e provido de farpas. Os indivíduos adultos chegavam a voar e deslocavam-se em grandes grupos. As nuvens, numa situação catastrófica, chegavam a depredar plantações inteiras. O número de espécies são variáveis e continuam a habitar diversos climas e continentes. O gafanhoto-de-praga, no Brasil Meridional, era o mais comum quando, com alguma frequência, atacava a região.
Os comentários populares, através de conversas informais, mantém viva as histórias das catástrofes que abateram-se nas zonas agrícolas. A fome do inseto parecia insaciável, porque desde o amanhecer até o anoitecer, viviam comendo. Parava unicamente na medida da ausência da alimentação. As folhagens, de um modo especial, pareciam "uma sobremesa predileta", na qual comiam até os talos. O solo, após o ataque, revelava-se uma terra destruída no qual carecia-se de qualquer verde. A cena apresentava-se como o de um desastre ecológico, no qual sobrou muitíssimo pouco para contar a história. A voracidade era tamanha, que até chegavam a digerir as cascas das árvores das espécies cítricas (bergamoteiras e limoeiros). Os animais, principalmente cavalos e gado, ficavam sem opção de alimentação, pois consumiu-se as gramíneas. Algum cereal armazenado ou feno estocado poderia, neste dias dramáticos, revelar-se salvação contra a completa ausência de víveres.
A colonada, dentro das acentuadas limitações, procurava oferecer algum combate, que surtia escassos efeitos. As alternativas principais constituíam-se nas queimadas de vegetais que reduziam a quantidade de indivíduos e a fumaça que espantava centenas de milhares de invasores. O volume de insetos porém, parecia infindável, no qual fazia pouca diferença a eliminação de uma boa parte deles. O emprego de lança-chamas e construção de fossas-armadilhas (para os insetos jovens) eram outras tentativas de combate. A guerra parecia sempre perdida, quando nem adiantava com lona de pano, proteger quaisquer culturas. O bicharedo entrava em qualquer buraquinho. Entrava e comia a totalidade das plantas. As chuvas, de maneria geral, inibiam o avanço da praga quando os desastres se acentuavam. A colocação de ovos tornava-se uma realidade quando, em alguns dias, advinha a proliferação da espécie.
Os ventos levavam e traziam a praga para os diversos rincões, quando então os morros sumiam da vista panorâmica. Os órgãos públicos, através da municipalidade estrelense, procuravam auxiliar no combate que, até o advento da pulverização química, parecia desperdício de recursos e tempo. Alguns esporádicos agricultores, corajosos na iniciativa, procuravam fabricar venenos caseiros à base de folhas de cinamomo. Combatiam os insetos com panos amarrados em ripas, que batiam rente ao solo. A maioria da colonada unicamente tivera o desgosto de apreciar o flagelo, que acentuava as preocupações com a subsistência familiar. As opções viáveis após o desastre, consistiam em replantar algumas culturais anuais, no qual o feijão e o milho assumiam o cerne das preocupações.
As invasões de gafanhotos extinguiram-se com as pulverizações áreas, que minaram a área de proliferação acentuada no deserto da Patagônia/Argentina. Encerrou-se, desta forma, um capítulo desastroso que tamanhos prejuízos causou durante décadas no meio rural.
As jovens gerações não conseguem fazer a mínima ideia daqueles desastres, que eram um terror no meio colonial. Os relatos, no entanto, continuam vivos na memória comunitária, quando os moradores viram-se repentinamente com a destruição e miséria. Os gafanhotos foram uma problemática num determinado contexto sócio-econômico, quando "os ventos da inovação científico-tecnológica" ceifaram aqueles dias tenebrosos. A sociedade, na atualidade, possui outros dilemas que nalgum dia a semelhança dos insetos serão mera história. Estes, entre outros muitos, relacionam-se a massiva produção de lixo, poluição acentuada do arroio Boa Vista, diminuição da fertilidade dos solos... Precisa-se encontrar alternativas às problemáticas que, como outra praga, custam a chegar em determinados momentos e situações.
* Fonte: Jornal O Informativo de Teutônia, página 04, seção "Histórias Coloniais - Parte 42", de 14 de fevereiro de 1996. Autor: Guido Lang.
* Postagem: Júlio César Lang.
* PROIBIDA A REPRODUÇÃO INTEGRAL OU PARCIAL DO TEXTO SEM A MENÇÃO DA REFERIDA FONTE (LEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998).
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